(19) 99994-2602
contato@alubrat.org.br

Blog

A Ciência e a Conquista da Felicidade

A CIÊNCIA E A CONQUISTA DA FELICIDADEO despertar de novos significados para o que aconteceu no passado doloroso, assim como o fortalecimento do caráter, podem aproximar as pessoas do bem-estar.

Vivemos, atualmente, sob fortes influências de consumo em um contexto cultural árido de significados para o sentido da vida. As novas tecnologias de entretenimento e a comercialização acelerada dos bens materiais disparam excitação, euforia e ansiedade, que ensombram a consciência dos valores essenciais à vida em harmonia. Novas “necessidades” são artificialmente criadas a cada dia, imbuídas da falsa promessa de felicidade.

A cultura contemporânea do descartável incentiva diuturnamente comportamentos como a pressa, a praticidade e a obtenção imediata dos bens que, supostamente, trariam conforto e aplacariam a angústia do vazio, assim como a ausência de sentido para a existência. Os relacionamentos interpessoais são igualmente influenciados pela oferta dos meios ágeis de comunicação, que favorecem interface superficial com grande número de pessoas (redes de relacionamento via internet), incitando contatos por interesse em vantagens imediatas e relações também descartáveis. Pessoas “coisificam-se” sucessivamente como produtos, ao passo que os vínculos afetivos se tornam cada vez mais frágeis.

O despertar do trauma

As pessoas resilientes – com a capacidade de atravessar adversidades e voltar à qualidade satisfatória de vida – geralmente maximizam aprendizados por meio de suas experiências traumáticas e criam oportunidades de crescimento pessoal com a introdução de novos valores e perspectivas para a vida. A cultura Chinesa traz uma interessante contribuição sobre possibilidade de crescer a partir de acontecimentos dolorosos. A palavra “trauma” (chuangshang) é a justaposição de dois caracteres: “Criação” (chuang) e “Dor” (shang).

Vários autores reconhecem o potencial de crescimento frente à adversidade. Durante a última década, a Psicologia e a Psiquiatria têm estudado os diferenciais de comportamentos dos numerosos exemplos de indivíduos que prosperaram (do latim pro+sperare: esperança a diante) após seus traumas como esteios para novas formulações de estratégias terapêuticas. O conjunto desses estudos revela que a resiliência, hoje, também pode ser aprendida e operacionalizada durante a psicoterapia sem negar evidentemente a dor e o sofrimento. Observamos que a angústia e o crescimento pós-trauma podem caminhar juntos quando uma aliança de aprendizado com o sofrimento é construída, favorecendo benefícios adicionais à qualidade de vida anterior a ocorrência do trauma. Geralmente cinco fatores estão envolvidos nesse aprendizado: (1) abertura para novas experiências, interesses e objetivos de vida; (2) apreciação e valorização da vida; (3) melhor relação familiar e interpessoal permeada por gratidão, bondade e amor; (4) desenvolvimento ou resgate da religiosidade/espiritualidade no dia-a-dia e; (5) descoberta de força, coragem e perseverança para superação de adversidades. Os estudos concluem que o crescimento pós-trauma se relaciona com o fortalecimento do caráter e da generosidade e esses achados são também observados como preditivos de um estilo de vida saudável.

O World Values Surveys abordou o sistema de valores humanos em mais de 60 países e mostrou que a felicidade está relacionada a uma maneira coerente de viver. Alguns fatores que compõem um estilo de vida provedor de felicidade foram encontrados, como: o suporte social (boa convivência com a família e os amigos) esteve fortemente relacionado à felicidade; voluntariado e caridade estiveram associados ao maior significado de vida e felicidade; as pessoas com autoestima elevada e que se sentem úteis (variáveis dependentes) são mais felizes; as pessoas que relatam com frequência o sentimento de gratidão têm maiores índices de afetos positivos e felicidade. Em suma, índices maiores de cooperatividade estiveram fortemente relacionados à felicidade.

Níveis de felicidade e neurociências

O estado subjetivo chamado de felicidade abrange um conjunto dinâmico de vivências, como: momentos de prazer fugazes na vida diária (surpresa agradável, prazer sensorial ao tomar banho, almoçar, ouvir uma música, etc.); satisfação com a vida, prazer mais duradouro (envolvendo o relacionamento diário com família, trabalho e amigos) e satisfação com a vida, bem-estar perene (compreendendo estilo de vida, gratidão, motivação e contentamento íntimo, propósito e significado amplos para a vida). Portanto, são várias as possíveis manifestações humanas de afeto positivo. As neurociências trazem uma convergência de achados que sugerem o envolvimento de diversas regiões do sistema límbico e sinalizações dopaminérgicas em estados afetivos positivos. Os receptores opióides e GABA no estriado ventral, na amígdala e no córtex orbitofrontal, assim como vários neuropeptídeos podem participar de experiências relacionadas ao prazer sensorial e a satisfação.

Em linha com os achados epidemiológicos sobre felicidade, estudos com neuroimagem funcional mostram que o bem-estar humano não é dirigido unicamente pelo resultado material, mas especialmente pela solidariedade, cooperação, caridade e justiça. Os pesquisadores empregaram interessantes estratégias neurofuncionais para favorecer a captura de comportamentos genuínos de caridade e altruísmo, sem a presença de observadores que influenciem a tomada de decisão dos voluntários. Os circuitos neurais mesolímbicos – envolvidos nas experiências de bem-estar e recompensa – mostraram maior atividade durante as escolhas genuínas de ofertar dinheiro, a caridade e a justiça em comparação com ofertas injustas ou egoístas de igual valor monetário.

O neurocientista brasileiro Jorge Moll tem trazido importantes contribuições sobre o tema e em um de seus estudos, os participantes ativaram o sistema mesolímbico de recompensa durante suas doações anônimas para instituições de caridade. As áreas mais anteriores do córtex pré-frontal foram distintamente recrutadas quando as escolhas altruístas prevaleceram sobre interesses materiais egoístas. Um estudo sobre o altruísmo, publicado pelo economista William Harbaugh, em 2007, na Science, revelou também significativa atividade neural nas áreas ligadas à recompensa. Interessante notar que outros estudos têm demonstrado ativação das mesmas áreas fronto-mesolímbicas associadas ao bem-estar em resposta a atitudes generosas, leais e de cooperação em jogos competitivos. Portanto, assim como os estudos sobre felicidade indicam, a Neurociência tem revelado que as pessoas que realmente se sentem bem, fazem o bem.

Finalmente, o despertar de novos significados para o que aconteceu no passado doloroso, assim como o fortalecimento do caráter podem aproximar as pessoas do bem-estar. O desenvolvimento da generosidade, da cooperação e do altruísmo estiveram relacionados tanto ao processo de crescimento pessoal, como a um estilo de vida consistente de felicidade.

Trabalho e Inconsciência

A etimologia da palavra trabalho (do latim tripalium) refere-se a um instrumento romano de tortura, um tripé cravado no chão, onde eram supliciados os escravos. Por causa de sua ligação com a tortura, por meio desse instrumento, a palavra trabalho, consciente ou inconscientemente, tem sido relacionada com padecimento e sofrimento. A cultura dos grandes centros urbanos com bombardeamento de informações, responsabilidades e objetivos, às vezes inexequíveis, propõe um estilo de vida competitivo contrário ao objetivo prometido de felicidade. Muitos executivos se consideram bem-sucedidos profissionalmente, apesar de não gozarem de boa saúde e declararem insatisfação com a vida pessoal.

Assim, a população geral é afetada pelas características traumatogênicas do mundo contemporâneo com a difusão da impotência, fragmentação das funções parentais, solidão, comprometimento da capacidade empática, tendência ao individualismo, incremento da rivalidade em detrimento da solidariedade, desamparo e crise de valores. Alguns desses fatores podem causar microtraumas e resíduos cumulativos ao longo do tempo desencadeadores de ansiedade e hiperestimulação do sistema simpático tal como os sintomas decorrentes de grandes eventos traumáticos.

A despeito das influências ansiógenas do ambiente, estudos epidemiológicos revelam que a maioria de nós sofreu ou sofrerá um ou mais eventos potencialmente traumáticos. Em torno de 10% da população geral apresenta Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e 30%, TEPT parcial, enquanto grupos de risco podem apresentar prevalência do transtorno entre 52% e 87%. Em meio ao mar da inconsciência e a pressa sem fim da vida diária, o trauma, por outro lado, pode despertar a busca de um sentido maior à existência.

Julio Peres: Psicólogo clínico e doutor em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
www.julioperes.com.br

Referências:
Peres J, 2009. Trauma e Superação: o que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade ensinam. Editora Roca.
Peterson C, Park N, Pole N, D’Andrea W, Seligman ME, 2008. Strengths of character and posttraumatic growth. J Trauma Stress, 21(2):214-7.
Tabibnia G, Lieberman MD, 2007. Fairness and cooperation are rewarding: evidence from social cognitive neuroscience. Ann N Y Acad Sci, 1118:90-101.

Deixe seu comentário