Em março de 2017 a Vera Saldanha, uma das fundadoras da Alubrat Brasil, foi entrevistada por Caio Lessa, Isadora Lima Zaneti, Lucas Pinheiro e Lucas Roberto Goulart, alunos da Universidade Federal de Santa Catarina, para contribuir com informações na elaboração do artigo acadêmico “Psicologia Transpessoal: o indivíduo”.
O tema da entrevista foi “Psicologia Transpessoal, a Abordagem Integrativa e a Espiritualidade” e pode ser conferida a seguir:
1- O que você entende por psicologia transpessoal? Qual a importância em sua vida?
Ao conhecer a Psicologia Transpessoal em 1978, em um Congresso Internacional, iniciei meus estudos, e cursos nesta, culminando com meu próprio mestrado e doutorado na Linha de Pesquisa em Psicologia Transpessoal, no Departamento de Psicologia do Desenvolvimento, na faculdade de Educação (Unicamp).
O tema se remeteu á Abordagem Integrativa Transpessoal (A.I.T), um constructo teórico e método que desenvolvi em Psicologia Transpessoal, bem como a forma de ensina-lo que denominei de Didádita Transpessoal.
Neste referencial (A.I.T) a Psicologia Transpessoal é uma abordagem teórica e pratica, que apresenta uma visão antropológica mais ampla que a psicologia convencional, bem como amplia a visão de mundo e de vida. Estuda e possibilita a aplicação dos diferentes níveis de manifestação da consciência, focalizando também estados mais elevados com seus potenciais de cura, transformação e aprimoramento do ser humano.
O segundo aspecto essencial de importância para mim da psicologia transpessoal foi a criação de uma formação, desde 1987 em psicologia transpessoal, ensinando a Abordagem Integrativa Transpessoal, a qual se tornou a primeira pós graduação em psicologia transpessoal, ministradas em 18 estados do Brasil, e em Portugal, com mais de 3 mil alunos.
Esta formação gerou a fundação da ALUBRAT (Associação Luso Brasileira de Transpessoal) a qual já organizou nove Congressos Internacionais, alcançando mais de 10 mil pessoas do Brasil e exterior, e assim sucessivamente com desdobramentos incessantes, com a presença na SP(Proser- Programa de Saúde e Espiritualidade); no Conselho Regional de Psicologia, e inúmeros outros grupos de atividade em Transpessoal.
2- Como a perspectiva transpessoal enxerga o indivíduo e suas respectivas potencialidades? Quais os prós e contras dessa concepção?
Para a psicologia transpessoal a espiritualidade é um aspecto central no desenvolvimento do ser humano, parte da própria biologia subjetiva.
O significado original remete-se ao termo espirito-pneuma ou sopro-animador, o principio vivificante do sentimento autentico de alguma coisa.
A espiritualidade legitima favorece uma ótica de confiança, promove valores do ser destacados por Maslow, torna possível a perspectiva de uma sociedade melhor.
A psicologia transpessoal deixa explicita a distinção entre espiritualidade e religião. A religião relaciona-se a prática publica, institucionalizada e dogmática. A espiritualidade não se atém a dogmas; integra o organismo ao meio, o racional, o emocional e o social com a clareza de que não estão separados, gerando altruísmo, cuidado ético consigo e com o outro como decorrência natural (Marques, 2000).
A espiritualidade envolve a necessidade de transcendência, sensação de bem estar que é experiênciada quando encontramos um propósito, um sentido significativa para a vida, os quais favorecem experiências transpessoais.
Esta dimensão é uma força que quando não impedida expressa-se naturalmente, é saudável, benéfica para o indivíduo e seu ambiente, é esclarecedora, promove o autoconhecimento em sua concepção mais ampla.
É a informação subjacente à semente, aquela que sabe que é a futura árvore e conheçe o caminho para concretizar as condições que a favorecem.
3 – Como a perspectiva transpessoal enxerga o indivíduo e suas respectivas potencialidades? Quais os prós e contras dessa concepção?
Um ser bio, psico –social e espiritual, de uma consciência, mais ampla, sendo o estado de vigília apenas um dos estados do mundo da consciência.
Tal consciência possui um manancial de potencialidades e saberes inimagináveis.
Entretanto em nossa espécie é tênue, precisa ser estimulada, nutrida.
Os riscos são a falta de clareza dessa natureza essencial.
É importante um trabalho amplo, com método adequado, que foque o que é denominado de “sombra e de luz”.
A abertura à estes níveis sem o devido preparo, pode gerar o agravamento de sintomas.
Por outro lado a exacerbação somente de níveis mais elevados poderão igualmente gerar danos ao desenvolvimento pleno do indivíduo.
4 – Em que essa vertente difere das demais escolas nos aspectos teórico e prático?
Ter como axioma a natureza superior da consciência.
A função curativa da dimensão espiritual, e o adoecimento do indivíduo quando estes aspectos são negados, reprimidos.
Os valores positivos (construtivos) como inerentes a natureza intrínseca, emergindo em estados mais elevados.
Nova linguagem conceitual envolvendo a riqueza da transubjetivação no desenvolvimento psíquico, na dor e sofrimento.
Ressignificando a dimensão intrínseca e extrínseca, da vida humana e reconciliando aparentes paradoxos.
5 – O que a psicologia transpessoal pode oferecer metodologicamente, aos indivíduos, que as demais linhas de pensamento não o fazem?
De todos os cursos com profissionais nacionais e internacionais na área transpessoal apesar de uma teoria extraordinária, os cursos apresentam muitas vezes apenas aplicações de técnicas dispersas de expansão de consciência, carente de um base epistemológica uma metodologia consistente em uma linguagem demarcadamente psicológica em autores da psicologia.
Exatamente esta grande lacuna foi o que me motivou a desenvolver a Abordagem Integrativa Transpessoal pautada em autores da Psicologia, em uma linguagem psicológica, e leva-la ao âmbito acadêmico, para testa-la, aprimora-la, evidenciando-se na pesquisas realizadas ser uma metodologia exitosa.
Uma metodologia que contempla uma visão antropológica mais ampla, que possibilita a estruturação de um protocolo, sem “engessar” e que promove o desenvolvimento psico-espiritual do indivíduo.
Tais resultados na clínica acontecem em um tempo menor, assim como otimiza a aprendizagem, bem como promove transformações no âmbito educacional integrando a aprendizagem intrínseca, o “autoconhecimento”, com a aprendizagem extrínseca, o conteúdo programático.
6 – Como a transpessoal concebe a relação profissional-paciente?
Na Abordagem Integrativa Transpessoal,uma relação contextualizada por distintos papeis do (profissional) e do paciente, com a necessidade preemente de escuta, presença, percepção da inteireza do outro, favorecendo a autopercepção do paciente; ou educando na educação.
E todos os outros pressupostos que devem ser básicos e fundamentais principalmente na prática psicoterapêutica, por exemplo sigilo, exclusão de opiniões pessoais (contratransferencia) entre outros.
7 – Quais as principais dificuldades enfrentadas por profissionais que atuam com a psicologia transpessoal?
Falta de informação e formação nas universidades.
Número limitado de pesquisas nessa área; apesar de terem aumentado no últimos anos; ainda muito limitado.
Falta de formações adequadas, equívocos de inclusão de práticas religiosas como pertinentes a psicologia transpessoal, Praticas religiosas podem ser até benéficas ou não. Podem evidenciarem estados transpessoais porém não contribuem com autonomia do sujeito com a libertação das mentes.
Poderão em processos psicoterapeuticos gerar mais dependência e acima de tudo fere o princípio fundamental na psicologia, a laicidade.
8 – Como você avalia a relação das abordagens não hegemônica, como a transpessoal, com as demais áreas da psicologia?
São pouco divulgadas, pouco estudadas e conhecidas. Encontram as vezes preconceitos entre os profissionais da área, as pesquisas são restritas; como afirmou Eduardo Berni (conselheiro CRP/06youtube-10/11/2011) no seminário realizado de Práticas Integrativas Complementares, embora a transpessoal possa trazer novas chaves hermenêuticas para a
interpretação da subjetividade, ainda hoje é mal compreendida como foi um dia a psicanalise. Portanto eu creio que é uma questão de tempo, faz parte do processo de despertar a consciência da evolução da psicologi, como acontece em muitas áreas do saber.
Comentários(4)-
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Marina Marlene Maia diz
23 de novembro de 2017 at 1:28 pmGratidão por compartilhar seus conhecimentos,experiências e perspectivas ,sobre essa abordagem tão profunda ,mas pouco assimilada como você mesma colocou.O processo de conscientização é lento,mas seguramente avança a medida que nos propomos a caminhar rumo a evolução,gostaria de manter contacto,se possível,desde de já meus agradecimentos.
Denise Maciel diz
28 de novembro de 2017 at 1:10 amFantástico Vera! Incrivel sua forma clara, objetiva e ao mesmo tempo profunda em descrever a psicologia transpessoal. Mesmo tendo a honra de lhe falar pessoalmente, reforço que a A.I.T. sintetizou de forma didática e impressionantemente dinâmica a teoria transpessoal, trazendo um método mais “prático” para a intervenção na área. Sinto imensa gratidão pela sua brilhante contribuição. Sucesso!
cristina bacchi furtado diz
13 de março de 2019 at 2:24 pmVera, na busca de encontrar um conceito para esta terapia que quero indicar ao meu filho, mas que só a conheci também por indicação de amiga médica,com surpresa,reconheci conceitos teóricos expostos no seu artigo, que ocorrem comigo na prática, na minha vida e que agora eu tenho uma conscientização do processo muito forte e significativa.Gratidão e emoção fortes sinto neste momento. Meu mundo invisível mostrando que não é tão invisível.gratidão enorme a querida dra Iracema, de uberlandia, que me proporcionou chegar a isto.
Ana Maria Silveira Schlichting diz
24 de outubro de 2024 at 8:58 amOlá, estou iniciando trabalho como terapeuta transpessoal e com foco nas práticas integrativas e complementares. Esta entrevista muito contribui quanto a cientificidade e clareza da minha prática.
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