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Arquétipos Feminino, Masculino e Mitos

Fontes de autoconhecimento,  saúde e realização.

Por Vera Saldanha

A psicologia vem evoluindo continuamente em sua meta maior de desvelar ao ser humano o autoconhecimento.  Neste momento vamos nos valer para nossas reflexões da contribuição de Carl Gustav Jung, (psicologia analítica) e de Abraham Harold Maslow (psicologia transpessoal).

Jung foi quem usou pela primeira vez o termo transpessoal em 1916 e inseriu vários conceitos na psicologia decorrentes de sua profunda investigação nas tradições e religiões comparadas,  tendo a espiritualidade um importante  papel em sua vida e profissão.

Maslow além de oficializar a psicologia

transpessoal na Associação Americana de Psicologia (APA) vem legitimar a espiritualidade na Psicologia e insere estudos amplos e profundos sobre as necessidades e motivações do ser humano,  conceitos como autorealização,  metarealizações entre outros.

Os mitos sempre desempenharam importantes papéis nas mais distintas culturas e sociedades, e sua presença muitas vezes nos revela uma dimensão imanente e transcendente da evolução humana.

Na psicologia a compreensão do mito que está por traz de nossos comportamentos, pode nos ser de extremo valor, no sentido de identificarmos o enredo do inconsciente coletivo que nos move o qual  pode estar influenciando nossas ações.

Desta forma “desconstruir” o mito interno e atualizá-lo de maneira mais saudável em nossa vida contribui para nossa saúde e equilíbrio.

Os mitos estão associados as dimensões  arquetípicas que habitam nossa psique.

O conceito de arquétipo foi inserido na psicologia por Jung. Para ele além do inconsciente pessoal, temos o inconsciente coletivo, no qual os conteúdos são os arquétipos.

Os arquétipos são imagens primordiais desde o desenvolvimento mais primitivo da psique. Todo ser humano herda tais imagens universais do passado ancestral, incluindo pré humanos, animais, deuses. Todos tem uma dimensão construtiva e outra destrutiva. Foi classificado por Jung em cinco grandes tipos na personalidade do indivíduo: – persona ou máscara, animus, anima, sombra, Eu.

A persona indica os vários papéis sociais que assumimos em nossa vida, e implica em sabermos desempenhar cada um deles, entrar e sair dos distintos papéis com equilíbrio, de acordo com a necessidade do momento.

O anima é a dimensão feminina da psique masculina no homem e o animus é o lado masculino na psique feminina da mulher.

A sombra é parte da história humana e expressão das tendências mais obscuras, sinistras, ocultas da psique e inferiores do inconsciente coletivo o qual pode ser o mais poderoso e perigoso dos arquétipos.

Quando negada, rejeitada, projetada no outro pode ser extremamente maligna e impetuosa.

Já quando acolhida, tornada consciente e transformada, pode favorecer os potenciais inconscientes para a criatividade, bondade e sabedoria, e pode ser chamada de sombra positiva.

O Eu, o maior de todos os arquétipos, a dimensão superior, unificadora, harmonizadora entre os arquétipos promove o pleno desenvolvimento da personalidade e seu fortalecimento a plenitude e individuação. Na psicologia transpessoal este arquétipo é denominado de arquétipo da síntese.

Para Jung personalidades históricas que chegaram a este nível de individuação com maturidade espiritual seriam Buda e Jesus. Maslow denomina este nível de autorealização transcendente ou metarealização.

Os mitos podem assim mobilizar em nossa psique todos estes níveis de arquétipos de forma coletiva inconsciente ou por outro lado nos trazer consciência das forças subjacentes que estão por trás de nossos comportamentos, nos auxiliando a compreensão e transformação interior.

Ambos, Jung e Maslow; enfatizam o autoconhecimento que inclui a espiritualidade como caminho de autorealização, saúde e plenitude.

Nesta perspectiva estaremos refletindo sobre o mito de “Phobos”, aquele que suscita o medo em todos nós;  dependendo de sua intensidade  pode nos proteger, paralisar ou limitar e gerar sérias patologias como por exemplo o transtorno do pânico.

Vamos então neste momento refletir sobre o mito de Phobos,  a síndrome de Pânico e mais além, pois na verdade este mito expressa a exacerbação de uma dinâmica muito atual, em nossa sociedade. Acontece também no plano simbólico em nosso mundo interior, na relação conosco mesmo, em distintos graus.

Abarca as dimensões arquetípicas da sombra, dos papéis sociais, do feminino e do masculino, do próprio arquétipo do Eu enquanto processo, síntese na harmonia.

Talvez irá suscitar indagações em cada um de nós em como estamos nos relacionando com nossos papéis? Desorientados ou orientados em nossas buscas?

Será que comungamos ou  consumimos e traímos nosso feminino?

Vamos então juntos avançar na leitura e reflexão do mito de Phobos.

A mitologia grega nos conta que Phobos (medo) e Deimos (terror) eram filhos de Ares (deus da guerra), e de Afrodite (deusa do amor e da beleza) sempre carente, em busca de algo qua a satisfaça aspecto que retratam dimensões pública e íntima. Essa relação entre Ares e Afrodite (que era esposa de Hefesto) acontece secretamente, porém é denunciada por Apolo (deus do sol) a Zeus (deus dos trovões) pai de Afrodite.

Hefesto (deus do fogo) exige que se devolvam os presentes dados a Afrodite e é Ares que deve pagar a fiança do adultério. Desta paixão entre Ares e Afrodite nascem cinco filhos: os gêmeos Phobos (medo) e Deimos (terror) que acompanhavam o pai (Ares) nos campos de batalha, disseminando o medo e o terror aos homens. Além deles tiveram os irmãos Himeros, Anteros e a irmã Harmonia.

No pânico muitas vezes o medo é acompanhado de terror. Eles desestabilizavam os guerreiros inimigos para que Ares e seus soldados pudessem agir. Phobos ao espalhar o medo, covardia, fazia com que os adversários  fugissem e se tornassem presa fácil para o Deus da Guerra.

Anteros é o deus do amor adolescente que muitas vezes, com o medo de não ser correspondido separa, é aversão, é a desunião, a rígida ordem, um  amor conquista, competição que trará o fim à amizade e ao equilíbrio das relações. Himeros,  Eros  ou Cupido na mitologia greco-romana, simboliza o deus dos amantes, do desejo incontrolável, no qual o amante se dobra diante da amada, e a amada diante do amante, se mistura, une.

Harmonia é a deusa que representa a união, solidariedade entre família, casais, cidadãos promove a conjugação das forças opostas gerando equilíbrio. Assim dois dos filhos do gênero masculino destes deuses são relacionados à guerra e dois ao amor ainda imaturo e impulsivo; a irmã representante do gênero feminino a que simboliza a relação estável entre  feminino e masculino.

Um dos aspectos  que nos sugerem, é que subjetivamente precisamos  atravessar nosso medo e terror, nossa impulsividade, competição, imaturidade  nas formas de amar para que  uma dimensão masculina e feminina  de nossa psique possam ter um relação de equilíbrio e saudável  para trazer a “irmã”  Harmonia. Talvez nos recorde ainda que nossa relação “proibida”, sedutora e impulsiva, a traição ao nosso próprio feminino evidenciado por Afrodite; sempre na busca de algo fora de si; nos leva à união com o masculino guerreiro (Ares); e seus filhos trazem sofrimento até que reencontremos o nosso feminino e masculino em união representado em Harmonia a última filha de Ares e Afrodite.

Afrodite seduz e manipula para conquistar o grande poder de Ares, o deus dos campos de batalha, o grande vencedor das guerras.

Quanto Ares é intenso em nosso masculino, aquele que  que “vai à luta”, o que quer desbravar e conquistar territórios a qualquer preço. A desorientação do masculino na busca do “ter” em detrimento do “ser” que se une ao feminino desorientado, que também busca o poder ilusório do ego irracional, gera dentro da alma o medo, o terror da perda de si mesmos e do amor inatingível, filhos de Ares e Afrodite.

É interessante observar que a Síndrome do Pânico é uma  patologia que acomete a um número maior de mulheres, e possivelmente a homens mais sensíveis, mas que tem esse feminino interior desorientado.

Sabemos também que enquanto dimensão arquetípica o masculino e feminino habitam em homens e mulheres. Entretanto pelas próprias  questões  culturais o homem exerce mais a dimensão arquetípica do masculino,  seja em uma inflação patológica, ou de forma saudável; e a mulher tem uma expressão  maior da dimensão arquetípica do feminino, seja de forma saudável ou em suas chagas e patologia.

Assim podemos sugerir que há uma dimensão de traição e guerra  interior que se uniram quando somos acometidos  por esta síndrome. Há um conflito do qual teremos que olhar os “frutos”, os filhos dessa união, ajudá-los a crescer e conquistar a maturidade  de ações saudáveis. Ou seja de um masculino saudável que é a grande força de ação  no mundo da nossa psique,  por outro lado de  um feminino em harmonia que nos traz o legado da união, da solidariedade, e também do amor em uma expressão maior, talvez Filia, Ágape, além do amor Eros e Porneia. Assim  o encontro da Harmonia acontecerá nos trazendo o equilíbrio e união subjetiva do masculino e do feminino.  Um aspecto curioso é o que Eros não crescia, e só o fez depois  que Anteros (Ant-Eros) nasceu, trazendo exatamente características opostas de Eros: antipatia, limite rígido,  se fechar.

É interessante observar que quando uma pessoa sai de um estado emocional patológico, do  conflito, relacionamento difícil, a tendência  da psique na pessoa é ir exatamente para o oposto em suas crenças, opiniões e comportamentos até alcançar o equilíbrio.

Quando contemplamos o mito de Phobos, a união de Afrodite  e Ares (amor, traição e guerra)  trazendo filhos Phobos e Deimos (Medo e Terror) mais Anteros e Himeros (amores imaturo e impulsivo); nos faz relembrar o quanto  as ações do feminino que se trai, passa pelas questões inacabadas do amor; talvez com a necessidade de  aprender a amar. Por outro lado só a 5º filha Harmonia será  a união, síntese do feminino e masculino, e quem dá o tom é o feminino.

Portanto na dimensão humana até que ponto alcançar  a “harmonia” implica em passar algumas vezes por estes estágios anteriores como em um grito desesperado de se  reencontrar genuinamente. Muitas vezes a ausência do autoconhecimento, da aceitação de aspectos pouco nobres de  nossa própria natureza, a sombra,  faz com que aconteça a atuação do negado, rejeitado. Toda atuação de sombra, em última instância é ausência de consciência, é a volta do reprimido.

O julgamento, rigidez, a crítica constante ao outro (e a si próprio), o perfeccionismo, algumas vezes são características presentes em pessoas acometidas pelo transtorno do pânico, seja em indivíduo extrovertidos ou introvertidos.

Estes filhos trazem a guerra, amor rompante  e por fim harmonia. Traz as dualidades da vida humana em seus desafios, seus paradoxos e equívocos, mas que sempre   nos encitam ao crescimento e a busca do equilíbrio entre estas experiências,  quando olhamos e escutamos o que nos acomete. As dinâmicas psíquicas evidenciadas no mito de phobos, sob o ponto de vista simbólico dentro de cada pessoa; representado  por estes distintos arquétipos; nos mostram o pânico que pode nos sequestrar, quando nos desorientamos nestas dimensões arquetípicas e elas possuem a psique em seu pior.

Guardando as devidas proporções em relação a intensidade da síndrome do pânico, este “mito” atua em todos nós. Evidenciam relações do feminino e masculino dentro e fora do indivíduo. Nos fala de comunhão, equilíbrio ou a insatisfação que busca ser saciada em momentos fugazes, sem autodescoberta. A vida neste contexto se revela uma grande experiência a ser transformada, não basta a tentativa de  aniquilação e fuga das emoções indesejadas que  habitam nossa psique. Elas estão a  serviço do crescimento  e evolução do ser. A narrativa e reflexão deste mito, o qual nos fala de emoções presentes em todo ser humano como o medo, terror, paixão, amor, traição, inveja, ciúme, insatisfação, união, harmonia, contribui ao autoconhecimento e pode colaborar  com a saúde e realização pessoal, na medida em  que refletimos sobre a subjetividade destes aspectos em nossa natureza. A partir desta compreensão teremos então a clareza que nos levará à transformação.

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