Por Jean-Yves Leloup
Cada um desperta de uma maneira particular, e como lhe disse, eu não desejo a ninguém de passar por onde eu tive que passar. Cada um terá um dia a oportunidade de se encontrar” ali onde ele esta”, como ele jamais tinha estado. Isto pode acontecer, como foi o meu caso, por meio de um coma profundo, mas isso também pode acontecer durante um passeio, escutando música, no coração de um enlace amoroso, observando o grande céu vazio e estrelado… De repente, entramos na “consciência de estar aqui”, de estar aqui desde sempre e para sempre.
É esta “consciência de ser” que o padre Serafim buscou primeiro enraizar em mim quando ele me pediu para meditar como uma montanha. Antes de querer orar como um homem, eu deveria saber como a montanha ora. Entrar na“ consciência de estar aqui” – “mineral” – não é uma simples metáfora que convida à estabilidade do corpo.
Tente estar aqui, como uma montanha, aberta a todos os ventos, a todos os tempos, com seu lado de sombra e o seu lado de luz e você verá que presente se instalará em você, que tranquilidade e também que comunhão com a terra e com tudo aquilo que nela germina e floresce.
Eu não sabia a que ponto a matéria era viva: “Se eles se calarem, as pedras gritarão”, dizia Yeshoua sobre os seus discípulos. Eu não as ouvi gritar, mas é preciso ser surdo para não ser sensível a sua vibração, vibração sonora no coração da noite. A montanha do Monte Athos, Agion Horas, canta uma estranha salmodia, um fino sorriso que é sua aquiescência ao Logos que informa e que faz do seu “caos” ou tohu va bohu uma ordem incessantemente renovada que nós chamamos de “Cosmos”.
Para desenvolver ainda melhor a “ consciência de estar aqui”, o padre Serafim me propôs um outro mestre : uma papoula em seu jardim.
Foi por meio dela que eu deveria aprofundar minha consciência de estar aqui, de maneira “vegetal”.
(…)
Manter-se flexível, sentado e imóvel, demanda, no início, uma energia considerável; eu só pensava em fugir, eu tinha coisa melhor para fazer do que ficar “vegetando” em um vaso, pouco importa se esse vaso era um maravilhoso jardim de uma sublime montanha.
Estar aqui como uma montanha, como uma papoula, Presença imensa, Presença frágil, peso do eterno e vivacidade do instante neste simples “gesto” de estar aqui.
Mas este “Estar Ser aqui “ é movimento e Ele é também Sopro; é isso que o monge Serafim me fez compreender e sentir quando ele me pediu para “meditar como um oceano”.
“Escute o fluxo e o refluxo das ondas, escute o inspirar e o expirar, escute o seu Sopro…”
Para estar presente à Presença, para permanecer no Real, não há nada como a atenção à respiração. Se você estiver atento ao seu Sopro, você não poderá estar em nenhum outro lugar além do lugar onde você está. É um elemento importante da meditação hesicasta, não é apenas um exercício psicossomático que tem como função acalmar o mental ( mas só isso já seria uma profunda terapia, e que não custa caro), é também um exercício “pneumático “, espiritual no sentido primeiro do termo.
Segundo a antropologia Bíblica, um “espiritual” não é apenas alguém que tem um espírito (nous), mas alguém que tem um Sopro (pneuma), alguém que respira profundamente; um profeta é um “inspirado”; sua profecia ou seu poema é sua “expiração”.
Compreenderemos melhor, então, que Yeshoua tenha transmitido à Samaritana o segredo de sua própria oração dizendo que é a adoração –“em pneumati kai aletheia – que deveríamos traduzir: “no Sopro e na Vigilância” ao invés de “em espírito e verdade”.
Esta ultima tradução faz da adoração, da meditação ou da oração uma ato “intelectual”, quando se trata na verdade, de fazer apenas um com o Sopro da Vida, o santo Pneuma, e devemos fazer isso com a-letheia, ou seja, literalmente , ” fora da letargia”, na vigilância…
A verdade não é , como eu já disse, ”uma verdade que temos”, um corpo de ideias e doutrinas que evocam ou “representam” mais ou menos bem real, mas em um estado de despertar e de vigilância.
Então compreende-se melhor quando cristo diz : “ A verdade vos libertará”. Sim a “vigilância” nos libertará… Quando somos vigilantes, não podemos mais ser “objetos” dos acontecimentos e das circunstâncias, permanecemos sujeito. A consciência de estar aqui, em um sopro vigilante, nos conduz a ser “Sujeito”, a nos tornarmos “Eu Sou”.
Jamais poderei agradecer o suficiente à vida que me fez encontrar o Padre Serafim que, através do seu ensinamento, manteve-me mais próximo da letra e do espírito do evangelho. Ele frequentemente me dizia: “Orar é respirar”; quando você está com alguém, você não pensa mais nesta pessoa, você está, você é com ela… Quando você está com Deus (e onde poderíamos mais estar? Se você é vivente, você não pode estar em outro lugar a não ser na vida) não pense nEle, esteja com Ele, seja com Ele, respire com Ele, respire a vida, a Luz, seja no movimento do presente que se dá.
“O sopro santo nos conduzirá a verdade toda inteira” – não esqueça de verificar! Respire conscientemente, permita-se ser conduzido pelo sopro santo a um estado de total vigilância: “aquilo que é tal qual isso é”, “aquele que é como Ele é” não deixarão de lhe aparecer.
– Do livro “A Sabedoria do Monte Athos”, de Jean Yves Leloup
Comment(1)-
Mailde diz
10 de março de 2017 at 5:45 pmMaravilhosa reflexão e fonte de inspiração. Depois de le-lo, olhei para o gramado jardim, cuja grama havia sido cortada e senti um impulso de me deitar nela. Ouvir os passaros, o sussuro das folhas nos galhos, o voo e o canto dos passáros, os mosquitos e formigas ao meu redor, por alguns minutos, foi uma experiência a ser repetida e sentida. Gratidão!
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