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Do sofrimento à ressignificação: O Cuidado integrativo a pacientes com doenças crônicas

Maria Cristina M. de Barros

(texto baseado no artigo “A Travessia dos momentos críticos vitais” in Cuidado integral: ações contemporâneas em saúde, 2012)

É importante delinearmos com mais detalhamento o processo de superação que pode ocorrer quando propomos um cuidado realmente integral ao paciente que adoece. Para elaborarmos uma trilha terapêutica eficaz, é necessário que compreendamos o que pode estar ocorrendo ao paciente enquanto uma doença crônica avança.Para isso, utilizamos a Abordagem Integrativa transpessoal, tal como proposta por Vera Saldanha (2008) que nos parece oferecer um panorama bastante completo dos caminhos subjetivos do sofrimento e sua ressignificação.

Num primeiro momento, há o reconhecimento da doença e de suas vicissitudes. Nesta etapa, é muito comum que a negação se apresente como um mecanismo forte de reação do paciente frente a algo que ele não conseguiu impedir.O paciente recusa-se a sentir, perceber e encarar as mudanças trazidas pela nova realidade que se impõe e a dor a elas subjacente.O reconhecimento fala sobre o que está acontecendo e como está acontecendo, descortina os efeitos desta nova realidade  no campo objetivo e subjetivo do paciente.Reconhecer para enfrentar: o reconhecimento leva um tempo até que uma nova etapa se configure e com ela, a explosão das emoções: a identificação do paciente com os aspectos negativos do adoecimento. Neste momento, o paciente é a doença que o acomete. As emoções que aparecem passam pela raiva, pelo medo, pela sensação de fragilidade. Na identificação com a doença e com os aspectos a ela relacionados, o paciente pode vivenciar as fases emocionais que o auxiliam a lidar com as perdas das pequenas mortes antes da passagem ou grande morte. Descritas por Elizabeth Kubbler Ross (1987) e já amplamente difundidas, estas emoções incluem, além da negação e da raiva já mencionadas, a barganha ou negociação, a depressão e, quando possível, a aceitação. Para que chegue à aceitação no entanto, o paciente precisa vivenciar a tristeza e as dores envolvidas pelas perdas do adoecimento. Ao encara-las pode então novamente distanciar-se delas para apreciar as possibilidades de obter benefícios pessoais também com elas. Não há distanciamento possível sem que haja primeiramente a identificação, o mergulho dentro da realidade da doença. A partir deste reconhecimento e identificação dos limites impostos pelo adoecer, o paciente pode dar o passo seguinte, em direção à desidentificação e à superação dos limites. Quando reconhecemos nossos limites, percebemos que podemos transcendê-los. A partir deste ponto o processo de aceitação da realidade que se impõe, tal como descrita por Kubbler Ross (1987), pode acontecer. O paciente, ao aceitar ir além, percebe que ele não é a doença que está experimentando em seu percurso e que esta experiência não é em si mesma boa ou ruim, mas pode ter conteúdos significativos ocultos por detrás do cenário aparente de sofrimento. Esta é a etapa da transmutação. E o paciente pode seguir adiante, posicionando-se mais ativamente na direção da busca destas novas significações, transformando crenças a respeito da doença e de si mesmo que o limitavam e faziam sofre. Trata-se de uma transformação interior que pode refletir-se em mudanças de comportamento e atitudes frente à família, ao trabalho e à forma como este paciente escolhe passar pela experiência de conviver com a doença crônica. As próximas etapas terapêuticas são uma consolidação desta transformação interior que se estende para outras áreas da vida do indivíduo, passando a ser uma transformação profunda e não circunstancial, que acarreta em mudança de valores e percepções deste indivíduo acerca de si, do outro, a respeito de sua vida e do sentido que pode dar a ela, desde as mínimas ideias aos mais ousados pensamentos. Neste momento, a fala é o recurso mais importante ao terapeuta. Vai auxiliar o indivíduo a terminar de fazer as associações necessárias a um reenquadramento da enfermidade em sua vida, que passará de um evento traumático para uma vicissitude natural com a qual ele pode conviver. A fala organiza os pensamentos, a intuição, as imagens, as emoções e experiências sensoriais vividas desde a primeira etapa deste caminho de superação.  A elaboração mental de todo o processo ocorrido, dentro desta perspectiva, torna-se mais completa, pois integra a dimensão espiritual que agora fica disponível, como um cômodo onde se pode com frequência entrar. Através da elaboração mental e intuitiva, o paciente torna-se muito consciente daquilo que precisou desapegar-se, da pendência emocional que precisou resolver, da emoção que obstruía-lhe a fluidez dos pensamentos, a crença que bloqueava –lhe a espontaneidade das emoções e a relação de todos estes aspectos com suas dificuldades de adaptação à doença e tratamento.

A ressignificação de uma doença é fato possível, quando o indivíduo percorreu, em seu próprio tempo, as etapas que subjazem a todo e qualquer processo de mudança. Neste caminho, há o acesso a uma instância interior que podemos denominar Eu curador, cuja sabedoria permite ao Ser criar as condições para superar a adversidade e “passar” ao momento existencial seguinte. O indivíduo realiza aí uma passagem, como que se preparando para a grande passagem que é a morte propriamente dita. A morte é o momento de maior potencial de iluminação das almas, que têm a oportunidade, segundo algumas tradições espirituais, de rever sua existência e tomar consciência dos entraves ao seu desenvolvimento espiritual. Embora para nós ocidentais a morte tenha outra conotação, os momentos críticos existenciais, carregados de eventos potencialmente traumatizantes, representam em si as pequenas mortes do caminho e oferecem igualmente oportunidades de crescimento valiosas se aceitamos a idéia de que uma doença pode ser mais do que uma doença e a existência pode ser mais do que uma trilha inóspita que leva a lugar nenhum.

Bibliografia

Barros, M.C.M. (2012). A Travessia dos momentos críticos vitais in Cuidado integral: ações contemporâneas em saúde. Margaret Rodrigues (org.). Ed. Mercado de Letras. Campinas (SP), p.221-251.

KUBLER-ROSS, E.(1987). Sobre a Morte e o morrer. São Paulo: Ed. Martins Fontes.

SALDANHA, V. (2008). Psicologia Transpessoal – Abordagem Integrativa – Um conhecimento emergente em psicologia da consciência. Ijuí, RS: Ed. Unijuí;

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